ATA DA QUINTA SESSÃO SOLENE DA TERCEIRA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA PRIMEIRA LEGISLATURA, EM 18.04.1995.
Aos dezoito
dias do mês de abril do ano de mil novecentos e noventa e cinco reuniu-se, na
Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre.
Às dezenove horas e vinte e dois minutos, constatada a existência de
"quorum", o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da
presente Sessão, destinada a entrega do Titulo Honorífico de Cidadão Emérito ao
Senhor Demétrio Ribeiro, de acordo com o Requerimento nº 49/94 (Processo nº
2466/94), de autoria do Vereador Clóvis Ilgenfritz e aprovado pelo Plenário.
Compuseram a Mesa: o Vereador Airto Ferronato, Presidente da Casa, o Senhor
Demétrio Ribeiro, Homenageado, o Arquiteto Newton Burmeister, representando o
Senhor Prefeito Municipal, o Senhor Agenor Casaril, Procurador de Justiça
representando o Senhor Procurador Geral de Justiça, o Professor Sérgio
Nicolaiewski, Vice-Reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o Arquiteto
Charles Hugaud, representando a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Ritter dos
Reis, o Jornalista Firmino Cardoso, representando a Associação Riograndense de
Imprensa, Arquiteto Marcos Heckman, Diretor da Faculdade de Arquitetura da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS e a Senhora Enilda Ribeiro,
esposa do homenageado. A seguir, o Senhor Presidente concedeu a palavra aos
Senhores Vereadores. O Vereador Clóvis Ilgenfritz, como autor e em nome das
Bancadas do PT, PDT, PMDB, PTB, PP e PSDB, saudou o homenageado pelos seus
serviços prestados à Cidade como arquiteto dedicado às questões do urbanismo,
discorrendo sobre a justeza do Título ora outorgado. O Vereador Reginaldo
Pujol, em nome da Bancada do PFL, destacou as qualidades do Professor Demétrio
Ribeiro, dizendo que seus serviços prestados à Cidade estão acima de
divergências ideológicas. O Vereador Lauro Hagemann, em nome das Bancadas do
PPS e PPR, historiou sobre a trajetória profissional e política do Professor
Demétrio Ribeiro, lembrando sua militância junto ao PCB e asseverando os
grandes serviços prestados por Sua Senhoria à planificação urbanística de Porto
Alegre. A seguir, o Senhor Presidente registrou as seguintes presenças como
extensão da Mesa: do Arquiteto Carlos Fayet, Presidente do Instituto dos
Arquitetos do Brasil, da Senhora Laís Salengue, Diretora Superintendente da
Metroplan, do Arquiteto Sérgio Horst, Presidente do Sindicato dos Arquitetos do
Estado e da Deputada Jussara Cony, também registrou que o Vereador Clóvis Ilgenfritz
falou em nome da Vereadora Maria do Rosário. Em continuidade, o Senhor
Presidente convidou a todos para, em pé, assistirem à entrega do Diploma
alusivo ao Título ora outorgado ao Senhor Demétrio Ribeiro, realizada pelo
Vereador Clóvis Ilgenfritz. Logo após, o Senhor Presidente manifestou-se sobre
a presente homenagem e, às vinte horas e vinte minutos, nada mais havendo a
tratar, agradeceu à presença de todos e declarou encerrados os trabalhos. Os
trabalhos foram presididos pelo Vereador Airto Ferronato e secretariados pelo
Vereador Clóvis Ilgenfritz. Do que eu, Clóvis Ilgenfritz, 1º Secretário,
determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e
aprovada, será assinada por mim e pelo Senhor Presidente.
(Obs.: A Ata digitada nos Anais é cópia fiel do documento original.)
O SR. PRESIDENTE (Airto
Ferronato):
Senhoras e Senhores, declaramos aberta esta Sessão Solene que se destina à
entrega do Título Honorífico de Cidadão Emérito ao Sr. Demétrio Ribeiro.
Convidamos para compor a Mesa: o nosso homenageado, Sr. Demétrio
Ribeiro; sua esposa, Enilda Ribeiro; o Arquiteto Newton Burmeister,
representando o Sr. Prefeito Municipal; o Sr. Agenor Casaril, Procurador de
Justiça, representando o Sr. Procurador-Geral de Justiça; o Sr. Sérgio
Nicolaiewski, Vice-Reitor da UFRGS; o Arquiteto Charles Hugaud, representando a
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Ritter dos Reis; o Jornalista Firmino
Cardoso, representando a ARI; o Arquiteto Marcos Heckman, Diretor da Faculdade
de Arquitetura da UFRGS.
Senhoras, Senhores, dignos componentes da Mesa, esta Sessão de entrega
do Título de Cidadão Emérito ao Sr. Demétrio Ribeiro é uma iniciativa do Ver.
Clóvis Ilgenfritz, através do Requerimento nº 49/94, que teve a aprovação da
unanimidade dos Srs. Vereadores desta Casa. Gostaríamos de mencionar a nossa
satisfação por ter a oportunidade de presidir esta Sessão, dizendo que a Câmara
Municipal adotou a posição de que cada Vereador pode designar, indicar para o
título de "Cidadão" apenas um nome por legislatura. Dentre os nossos
mais de 1,5 milhão de habitantes da Cidade de Porto Alegre, a Câmara Municipal,
através de seus Vereadores, representantes do povo de Porto Alegre, designa e
dá o título ao Dr. Demétrio Ribeiro. É uma homenagem que a Cidade de Porto
Alegre presta ao nosso homenageado. Dizemos da nossa satisfação em tê-lo
conosco neste dia.
De imediato, passamos a palavra ao Ver. Clóvis Ilgenfritz, que é o
proponente desta Sessão, que fala pela Bancada do PT e pelas Bancadas do PDT,
PMDB, PTB, PP e PSDB.
O SR. CLÓVIS ILGENFRITZ: Sr. Presidente, Airto
Ferronato; meu caro professor, colega, Arquiteto Ribeiro; Enilda Ribeiro e
demais componentes da Mesa. Para mim é uma honra muito grande falar neste
momento em nome do Partido dos Trabalhadores, com seus nove Vereadores, e em
nome de outra bancada, com nove Vereadores, que é o Partido Democrático
Trabalhista; do PMDB, que está com a presença do Ver. Geraldo de Matos Filho,
que representa quatro Vereadores desta Casa; também em nome do Partido Trabalhista
Brasileiro, em que temos outros quatro Vereadores; em nome do Partido Popular,
que é um Vereador; do PSDB, que é um Vereador; e também em nome da Vera. Maria
do Rosário, que precisou ausentar-se neste momento. Então, é uma honra muito
grande falar em nome de tanta gente importante, meus colegas Vereadores nesta
Casa.
Queria dirigir-me a todos os demais Vereadores presentes, às
autoridades que estão aqui representando as entidades. Vejo que não estão na
Mesa alguns, mas certamente devem sentir-se como se estivessem: representante
do IAB, Arquiteto Fayet, e outros colegas. Também me dirijo aos demais
participantes e amigos do Demétrio, à imprensa aqui presente, aos companheiros
e camaradas da política. Não sou de fazer discurso escrito, mas dessa vez o fiz
e me sinto um pouco inibido. Eu queria dizer ao Demétrio algumas coisas que, na
nossa convivência de mais de trinta anos, eu aprendi com ele.
(Lê.)
'Ter consciência da cidadania é como ter conquistado a própria vida; é
dar significado, razão e conteúdo para a existência. Aprendi muito cedo, com
meus pais, nos colégios onde estudei - do Grupo Escolar Rui Barbosa, em Ijuí,
ao Instituto Educacional em Passo Fundo até o 'Julinho' em Porto Alegre - a me
questionar e indagar também as coisas da vida e sempre tive a sorte de ter
professores, amigos e cidadãos.
Ainda nos primeiros anos de curso na Faculdade de Arquitetura da UFRGS
(no início dos anos 60, nos tempos áureos, antes do Golpe Militar), após
conhecer melhor o trabalho e a luta política dos atores daquele novo cenário da
minha vida, por vezes me questionei: 'Mas quando alcançaremos as conquistas que
estes homens e mulheres propugnaram com tanta certeza e esperança? Eles estão
lutando há tanto tempo, alguns há mais de trinta anos, e parece que nada mudou.
Será que eles estão fracassando? Será que eu e meus companheiros de uma geração
com fome de mudanças, com sonhos maravilhosos, estimulados por estes cidadãos,
vamos sentir, daqui a trinta anos, a frustração que parece existir hoje?' Não
precisou passar muito tempo para que estes questionamentos fossem respondidos
com conteúdos profundos que mexeram com a estrutura filosófica e política de
cada um daqueles novos cidadãos que se forjavam em companhias tão ilustres -
entre elas, despontava sempre o Prof. Demétrio.
Na busca de respostas àquela falta de resultados imediatos, estava
começando a aparecer e se esclarecer o verdadeiro significado da luta política,
que não se quantifica por meses, anos ou séculos. A luta política é, ao mesmo
tempo, intemporal e inseparável da vida e do seu cotidiano. Começava, assim, a
ficar mais claro para nós, jovens, que o importante era prosseguir na
realização dos sonhos, na busca das utopias, já não só de cada um, mas da
coletividade com quem nos identificávamos. Aprender a ver a vida com sentido
crítico, com propostas e com participação coletiva, assumir compromisso com o
sentido transformador e criativo era fundamental. Os resultados aconteceriam
com maior ou menor intensidade - a história os registraria. O importante era ter
consciência da cidadania e forjar mais e mais consciências comprometidas com a
vida digna, com a busca do belo, da felicidade... E como é bonito, como é
gratificante, após terem se passado mais trinta anos, podermos estar aqui hoje
com tão queridos companheiros, ratificando nossas posições e saudando um dos
principais 'culpados' por tantas conquistas acontecidas e tantas esperanças
renovadas! Como é importante para nós recordar aqui as realizações do
professor, arquiteto e urbanista Demétrio, sempre mostrando seu profundo
compromisso com a política, ideologicamente identificado com o socialismo, com
as propostas e programas do Partido Comunista. Com tenacidade e incomparável
capacidade de resistência ao ataque permanente dos liberais, neoliberais,
exploradores da maioria da população, Demérito soube lidar com a Arquitetura e
o Urbanismo, transformando a profissão num verdadeiro paradigma de seus ideais.
Como professor, inclusive por ser muito querido dos seus alunos, sofreu
a repressão. Foi um dos primeiros a serem cassados pelo Golpe de 64. Não
esmoreceu. Continuou sua luta nas entidades da categoria e no Partido, mesmo na
clandestinidade. Foi um dos principais líderes dirigente regional e nacional do
IAB - Instituto dos Arquitetos do Brasil, membro honorário da Associação
Paraguaia de Arquitetos; é o sócio número um do Sindicato dos Arquitetos no
Estado do Rio Grande do Sul, partilhando conosco de sua fundação. Foi
participante ativo da UIA - União Internacional dos Arquitetos. Em um dos
congressos, o XII da UIA, realizado em 1975, na Espanha, foi 'informante' -
relator da tese brasileira da qual tive a honra de participar como membro do
Grupo de Trabalho de Redação, junto com outros colegas (Rogério Malinski, David
Leo Bonder, Ivan Minoguchi, Jorge Dibiagi, Paulo Bertussi).
Revendo agora aquele documento, cujo tema central era 'Criatividade
Arquitetônica e Subdesenvolvimento', constatamos sua atualidade em termos
conceituais e programáticos. Cito alguns trechos que ilustram bem a nossa
afirmativa:
No existen concepciones arquitectónicas aisladas de los factores culturales de la sociedad, o sea, aisladas de la realidad política, jurídica y artística que tiene influencia sobre el pensamiento colectivo. Seria, por otra parte, imposible estudiar la acción de la tecnologia em el proceso criativo arquitectónico abstrayendo el contexto económico, social e institucional em el cual se desarrolla, se transmite y se aplica el saber tecnológico...
La importación de la tecnologia debe ser examinada a la luz de la constatación histórica de que el desarrollo periférico, o dependiente, tiende a crear el mimetismo cultural...
La historia de la arquitectura brasileña es una historia de
transformaciones de modelos cosmopolitas en afirmaciones originales de una
cultura genuina. Es lo que aconteció con el barroco en la época colonial, con
el neoclásico en el imperio y, más recientemente, con la inspiración del
nacionalismo europeo..
El movimiento de la arquitectura moderna brasileña fué desde su início en los años veinte, una expresión de las aspiraciones de modernización de la sociedad brasileña. Entre los varios aspectos de esa modernización se incluía la exigencia de técnicas nuevas para la vida cotidiana. En nombre del poder creador, del bienestar y de la dignidad del hombre, en nombre del derecho a la alegria y a la belleza, los pioneros de la arquitectura moderna en nuestro País la dignificarón.
a - La existencia de grandes ciudades en que se concentran recursos económicos y técnicos no puede ocultar la constatación fundamental de que en paises subdesarrollados el obstáculo principal a la creación como proceso colectivo de organización del espacio, radica en la insuficiencia de medios económicos.
Es preciso reconecer que los procesos fundamentales de superación de las contradicciones existentes estan situadas fuera del campo profesional. Deben quedar claramente indicadas las limitaciones de la participación de los arquitectos en las decisiones básicas.
De todas maneras el papel que pueden ejercer los arquitectos en la fomación de la opinión pública es esencial. Se trata del papel social del arquitecto en su condición de intelectual.
A par destes conceitos a respeito da produção da Arquitetura forjados desde sua formação na Faculdade de Montevidéu e da influência da Escola Francesa, Demérito foi um dos principais idealizadores e construtores da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, pela unificação do curso de Arquitetura, da Faculdade de Engenharia e das Belas Artes. Participou ativamente dos movimentos pelas reformas de ensino nas décadas de 50 e 60. Aproveito para lembrar aqui figuras queridas, sempre presentes nesse processo, hoje já falecidas, como os Professores Emílio Rippol, Edgar Graeff, Ari Canarim, Castelar Pena, entre outros.
Em todos os aspectos que envolvam arquitetura, urbanismo e participação
política nestas últimas décadas, sempre teremos presente o Arq. Demétrio, como
foi o caso do seu envolvimento direto e indireto nas discussões e formulações
dos Planos Diretores de nossa Cidade, desde o antigo Plano, com participação marcante
do Arq. Edvaldo Pereira Paiva, até os dias de hoje, quando a Administração
Popular propõe a discussão de mais uma revisão do Plano Diretor.
Finalmente, Prof. Demétrio, gostaria de suspender por aqui este
processo retrospectivo e pedir licença para um instante sentimental, lembrando
aqui os momentos que convivemos nestes últimos vinte anos na nossa Arquiplan,
na Rua Santa Teresinha, em especial as longas discussões na hora do cafezinho,
quando aconteciam, por vezes, verdadeiros debates com nossas divergências e
convergências apaixonadas, com a participação dos nossos colegas de trabalho: a
Arq. Ignez D’Ávila, o Arq. Maia, o Economista Renato (nosso irmão), o Bieca,
entre outros. Foram bons momentos!
Saudar Demétrio Ribeiro é aclamar a Arquitetura, o Urbanismo, as
gerações de arquitetos; é homenagear também sua companheira, nossa Profa.
Enilda Ribeiro. É saudar a Política como essência da existência do ser humano.
Parabéns Demétrio Ribeiro, Cidadão Emérito de Porto Alegre!
Obrigado."
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Como extensão da Mesa,
citamos as presenças do Presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Sr.
Carlos Maximiliano Fayet; Sra. Laís Salengue, Diretora Superintendente da
METROPLAN; Arquiteto Sérgio Horst, Presidente do Sindicato dos Arquitetos do
Estado do Rio Grande do Sul; e da Deputada Jussara Cony.
Passamos a palavra ao Ver. Reginaldo Pujol, que fala pela Bancada do
PFL.
O SR. REGINALDO PUJOL: Sr. Presidente, Srs.
Vereadores. (Saúda os demais componentes da Mesa.) Senhores e Senhoras,
acabamos de ouvir a emoção e a razão na palavra do meu prezado amigo, ilustre
integrante da Bancada do Partido dos Trabalhadores nesta Casa, proponente do
Projeto de Lei que se transformou na lei cuja outorga, hoje, está sendo
realizada e que, na condição de amigo, de ex-aluno e de companheiro de jornada
do nosso ilustre homenageado Demétrio Ribeiro, falou, nesta noite, em nome de
vinte e nove Vereadores pertencentes a partidos diferentes, entre os quais o
seu, o Partido dos Trabalhadores, o Partido Democrático Trabalhista, o Partido
do Movimento Democrático Brasileiro, o Partido Trabalhista Brasileiro, o
Partido Popular, o Partido da Social Democracia Brasileira e, até mesmo, em
nome daqueles que, momentaneamente, não têm partidos.
Faço essa colocação, Sr. Presidente e Srs. Vereadores, porque para
alguns pode parecer estranho que um Vereador que integra e que é o único
representante da Bancada do Partido da Frente Popular Liberal nesta Casa possa
ter a ousadia de se manifestar num ato público em que a Cidade de Porto Alegre
consagra a sua homenagem a um cidadão cuja militância político-partidária e
cuja permanente postura ideológica é absolutamente divergente daquela que
representamos. Para alguns, menos avisados, isso poderia parecer um despropósito
ou um paradoxo. Na verdade, não o é. A minha presença na tribuna tem vários
objetivos.
O primeiro é para dizer que quem homenageia Demétrio Ribeiro, em nome
de Porto Alegre, é o conjunto da sociedade porto-alegrense, é a Câmara
Municipal que, politicamente, é multipartidária - e que aqui se representa nas
várias facções -, e dentro de uma postura de quem aprendeu, como eu aprendi com
meu saudoso Prof. Armando Câmara, que o valor é a conformidade do dinamismo do
ser com seus fins e que nada mais se pode exigir de uma pessoa para que ela se
apresente como digna do reconhecimento e das honras de uma sociedade a não ser
que essa pessoa tenha conformismo com o seu fim, coerência com as suas idéias,
acredite naquilo que pensa e que realize uma vida dentro da coerência das suas
posições doutrinárias. É exatamente porque aprendi, muito cedo, a respeitar as
pessoas que têm posição, que acreditam no que pensam, que lutam por seus
ideais, que compareço hoje aqui para lhe dizer que, como liberal, eu tenho a
honra de saudar o comunista Demétrio Ribeiro, que, com justiça, se transforma
em Cidadão de Porto Alegre. Tenho a honra de saudá-lo, porque não é a nossa
divergência ideológica que vai deixar que eu apague da minha idéia o respeito
que eu tenho pela sua pessoa, como profissional competente, como homem sério,
como cidadão digno, merecedor desta e de tantas homenagens que a sociedade
porto-alegrense tenta outorgar-lhe. Por isso, Ver. Clóvis Ilgenfritz, quero
justificar-me com V. Exa. porque não lhe dei a prerrogativa de falar em meu
nome. Sei que o faria com o maior prazer e sei que V. Exa. o faria com idêntico
ou com maior brilho que o fez no pronunciamento que anteriormente realizou, mas
eu queria que o pluripartidarismo, que é a tônica pela qual lutamos na convivência
democrática, tivesse voz e vez nesta Casa e que exatamente eu, que de certa
forma represento o oposto das idéias do homenageado, viesse aqui na tribuna
dizer que homens de bem estão acima de divergências ideológicas, que homens de
bem têm que ser sempre respeitados pela comunidade, que homens que fazem o que
fazem por acreditar naquilo que realizam têm que ser por nós respeitados e os
seus exemplos têm que prosperar.
Tenho o privilégio de comparecer nesta noite para dizer, com toda a
tranqüilidade, que a Casa do Povo de Porto Alegre, quando por unanimidade
ensejou a lei que determinou a outorga hoje da cidadania a Demétrio Ribeiro,
agiu com correção, que os bons valores, aqueles que se impõem pelo trabalho,
pela crença nas idéias professadas, têm que ser permanentemente honrados e
homenageados para que assim se aprenda que o valor coloca-se em toda a dimensão
quando analisado não sob a viseira ideológica, mas sob a conduta e a
performance das pessoas na realização de suas atividades profissionais.
Saúdo o arquiteto, o professor, o homem de pensamento e, sobretudo, o
ser Demétrio Ribeiro, que, carreando tanto respeito durante a sua vida e
gerando e construindo tantas amizades em sua caminhada, certamente se fez
merecedor desta homenagem da qual tive a honra de participar de forma objetiva,
ativa e concreta, dizendo que também o Partido da Frente Popular votou pela
concessão desta honraria, porque V. Exa., Dr. Demétrio, faz jus a ela. Muito
obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: O Ver. Lauro Hagemann está
com a palavra pela sua Bancada, o PPS, e pela Bancada do PPR.
O SR. LAURO HAGEMANN: Sr. Presidente, Srs.
Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa.) Meu caro professor e camarada
Demétrio Ribeiro! Pelos discursos anteriores, pode ser uma noite de paradoxos,
mas o nosso processo democrático está proporcionando exatamente este caminho.
Falo, aqui, em nome do PPS e em nome da Bancada do PPR - Ver. João Dib e Ver.
Pedro Américo Leal. Sinto-me muito à vontade para falar em nome destes companheiros,
especialmente do Ver. João Dib, que foi testemunha do trabalho do Arquiteto
Demétrio Ribeiro na Prefeitura.
Esta Casa e a Cidade assistem hoje, numa hora crepuscular, numa singela
concentração, a um dos atos mais profundos que ela possa imaginar. Estamos
homenageando, em nome da Cidade, uma das figuras que, nas últimas décadas,
muito tem contribuído para o desenho desta Cidade, como um ponto no mapa deste
País, deste Continente, a mais austral das capitais brasileiras, num processo,
hoje, de integração do Cone Sul deste Continente, que tem um papel relevante a
desempenhar neste processo.
Demétrio Ribeiro começou muito cedo a se preocupar com o cidadão e com
a sua Cidade, e é isso que foi transmitindo ao longo dos anos no seu peregrinar
pelo magistério. E não é por acaso que hoje aqui estão reunidas várias gerações
de descendentes da carreira de magistério do Arquiteto Demétrio Ribeiro. Não
vamos falar só no aspecto profissional do nosso homenageado. Ele tem uma
profunda inserção na Cidade, na sociedade, como cidadão e como cidadão pensante
e como cidadão reitor, e isso lhe advém desde cedo: ter professado a crença em
determinada contextura histórica, sociológica, antropológica. Demétrio nunca
escondeu para ninguém que é comunista, e os comunistas sempre tiveram uma
preocupação muito especial com a inserção do homem no seu contexto. Demétrio,
além de inserir profissionalmente o cidadão no seu contexto, ainda o inseriu
ideologicamente no seu contexto.
O PPS, por meu intermédio, tem a honra de saudar o homenageado e
agradecer a iniciativa do Ver. Clóvis Ilgenfritz por ter proposto esse Título
de Cidadão Emérito. Esse Título de Cidadão Emérito completa um outro, que eu
sei que é de grande prazer e de grande respeitabilidade do nosso homenageado: o
de ter conquistado, merecidamente, o Título de Professor Emérito da UFRGS. Acho
que esses dois títulos hoje se completam, dão o sentido exato da inserção do
homenageado nesse processo de dirigir parcelas da sociedade numa determinada
direção e de receber, por outro lado, o respeito da Cidade onde ele vive há
tantos anos pela sua atuação.
Demétrio Ribeiro pertence a uma velha geração de comunistas, muitos
deles arquitetos, e que ajudaram a desenhar esta Cidade, principalmente nos
últimos anos - Edvaldo Pereira Paiva -, citados pelo Ver. Clóvis Ilgenfritz, da
Faculdade de Arquitetura, a de Ijuí; o Kroef; o Moojen Marques, que ainda está
aí vivo; o Presidente do IAB, nosso companheiro Fayet; o próprio Marcos,
Diretor da Faculdade, e outros nomes. Isso tem um certo significado
antropológico até. É que os comunistas têm uma visão diferente de sociedade e
de cidade: eles se preocupam em trabalhar sobre essas coisas.
Tenho a destacar a participação do nosso homenageado desde o primeiro
PDDU, o Plano de Desenvolvimento do Município, o Plano Diretor da Cidade. Antes
de 1979, o Demétrio já trabalhava nessa questão. As primeiras leis urbanas
foram provenientes daquele tempo, e agora, na última Lei Orgânica do Município,
Demétrio Ribeiro foi um auxiliar precioso nesta Casa na construção de uma Lei
Orgânica que é considerada por muitos não a mais, mas uma das mais avançadas do
País no que se refere ao problema de parcelamento do solo.
A minha Bancada, que sou eu só, teve a ajuda inestimável do camarada
Demétrio Ribeiro, porque ele, com a sua autoridade, conseguiu reunir ao seu
redor uma turma de arquitetos e urbanistas que dificilmente alguém poderia
conceber e conseguir, e nós trabalhamos as leis complementares, o Solo Criado,
o IPTU progressivo, a lei dos loteamentos, uma série de balizamentos em termos
de parcelamento de solo urbano que colocam Porto Alegre na vanguarda do
processo nacional. Agora estamos convocando, novamente, o camarada Demétrio
Ribeiro para nos auxiliar na reavaliação do Plano Diretor, que é a culminação
de todo esse processo que começou na Lei Orgânica, passou pelas leis
complementares e agora vai se explicitar no novo desenho do Plano Diretor.
Eu não pude preparar um discurso escrito, por isso desculpem o
"atravessamento do samba". De vez em quando, eu volto a uns assuntos
que já deveriam ter sido ultrapassados, mas tenho que destacar, na pessoa de
Demétrio Ribeiro, a sua extrema humildade. Ao longo desses anos de atividade
profissional, magisterial, política, Demétrio Ribeiro foi sempre um homem
humilde no sentido filosófico do termo. Como integrante do velho
"partidão" - o PCB -, Demétrio nunca recusou tarefas, as mais
difíceis, as mais complicadas, as mais humildes possíveis. Distribuía o nosso
jornal de casa em casa, na Av. Independência, participava de reuniões, era
jogado em qualquer lugar, porque naquele tempo o "partidão" tinha
esse mau costume de, às vezes, querer espezinhar os seus membros mais
proeminentes para fazê-los ver que eram mortais, e Demétrio sempre cumpriu
todas as atribuições partidárias que lhe eram conferidas. Então, há uma longa
tradição, uma longa história de luta.
A Universidade mereceu do Demétrio uma atenção muito especial. Ainda há
pouco, por ocasião dos 60 anos da Universidade, ele publica o primeiro artigo
de um livreto que saiu: "A grama entre paralelepípedos". É a história
do nascimento da Faculdade de Arquitetura da Universidade, e ele considera como
uma graminha entre paralelepípedos, que eram as Faculdades de Medicina, Direito
e de Engenharia. Ele termina o artigo dizendo que gostaria que essa grama não
mais nascesse entre paralelepípedos e que agora se transformasse em uma reforma
universitária - ele hoje é aposentado - e que essas coisas fluíssem mais
normalmente. Mas a nossa homenagem maior ao arquiteto e urbanista Demétrio Ribeiro
é com relação à Cidade de Porto Alegre, que ele ajudou a redesenhar.
Encerro o meu breve discurso de saudação dizendo que muitos mereceram o
Título de Cidadão Emérito de Porto Alegre, mas poucos com tal proficiência e
com tal sentido de grandeza, como é o nosso homenageado, Demétrio Ribeiro. Por
muitos mil anos que viva Porto Alegre, sempre haverá alguém que lembre que por
aqui passou um Cidadão Emérito: Demétrio Ribeiro. Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Convidamos o Ver. Clóvis
Ilgenfritz para fazer a entrega do Diploma ao nosso homenageado.
(É feita a entrega do Diploma.) (Palmas.)
Concedemos a palavra ao Cidadão Emérito de Porto Alegre, Prof. Demétrio
Ribeiro.
O SR. DEMÉTRIO RIBEIRO: Sr. Presidente e Srs.
Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Creio que avalio
em toda a sua dimensão a honra que me é concedida por ser recebido num recinto
do poder democrático na condição de homenageado. Acredito, evidentemente, que
uma grande parcela do que foi dito a meu respeito, aqui, depende da
generosidade, cordialidade e do caráter pluripartidário da decisão da Câmara,
destacando, nesse sentido, o discurso do Ver. Pujol.
Ninguém desconhece que a relação da minha pessoa com uma posição
ideológica é inquestionável. Essa posição, na minha formação pessoal, repousou
sobre a certeza que, até hoje, me parece de senso comum: é o poder praticamente
ilimitado que têm a educação e a formação dos hábitos nas pessoas humanas, ou
seja, pode-se apostar no ser desde que se invista na sua educação, na sua
formação, o que não é só ensino, mas coleções de informações. Sempre, desde a
mais distante juventude, chamou-me a atenção um aspecto da nossa realidade, de
incoerência, de que regatear, hesitar em investir maciçamente, a fundo perdido,
sobre a educação das crianças equivale ao que seria restringir a vacinação da
paralisia infantil a quem pudesse pagá-la, a fazer um negócio da saúde pública.
Isso, evidentemente, seria uma incoerência. Mas essa certeza da força da
educação do ser humano, que se verifica até o contrário, como se diz em latim,
pela eficiência dos nossos processos espontâneos de deseducação, a eficiência
com que a nossa sociedade transforma crianças pobres em delinqüentes nos mostra
que o contrário também seria possível. Essa é uma idéia que leva a muitas
outras e, entre outras coisas, induz quem pensa assim a acreditar no que se
pode chamar utopia no sentido de realidades que ainda não existem e que
existirão.
Neste momento, ocorre-me referir-me ao fato de que o que talvez tenha
chamado a atenção do Ver. Clóvis Ilgenfritz, da sua amizade, da sua
generosidade de indicar o meu nome, dos demais, é uma certa fidelidade a essa
crença utópica no sentido não da coisa impossível, da coisa hoje impossível, e
possível e que será, ou seja, no caso, o socialismo. Mesmo em outros níveis, a
experiência de cinqüenta anos de Porto Alegre traz fatos que eu gostaria de
lembrar, porque não me sentiria bem de não lembrar. Neste momento, quero
lembrar os que tiveram utopias, que lutaram, e de uma pessoa - a primeira que
vou lembrar - que, quando cheguei aqui era um pianista, era de boa família e,
portanto, tinha o curso de Direito para não ser um vexame na família, ser
apenas um pianista. Esse pianista dirigiu o Instituto de Belas Artes, que era
uma instituição fraca, pequena, privada, que lutava para ser encampada pelo
Poder do Estado do Rio Grande do Sul. Não se tratava de privatizar. Pelo
contrário! Ninguém queria fazer negócio com isso e achava que, estatizado, o
Instituto teria mais condições. Nessas condições, esse pequeno Instituto, esse
diretor que era um pianista de nome Tasso Dias Corrêa, com um escultor espanhol
naturalizado - o Corona -, autodidata, e um engenheiro civil culto, Fernando
Moura, levantaram a idéia realmente extraordinária - não sei de qual dos três
nasceu; a minha intuição diz que nasceu do espanhol, o Corona - de fazer um
curso de arquitetura em Porto Alegre. Que me perdoem os meus queridos vizinhos
- era como dizer: - "Vamos fazer
uma sucursal de Cristian Dior em Quaraí;" meio fora de qualquer
possibilidade de mercado. Mas empenharam-se nisso, granjearam adesões. Sou um
dos que aderi. Quero ser bem franco: não liderei nada. O meu mérito talvez
tenha sido o de acompanhar os que se engajavam e não deixei de fazer as opções
que tinha que fazer nesse caso. Outros aderiram, e o que aconteceu foi que,
depois de muitas atribuições com o curso de Arquitetura nesse Instituto que foi
federalizado, curso de Arquitetura criado na Universidade para esvaziá-lo, e
finalmente a fusão dos dois cursos, depois de muitas lutas, uma série de
utopias foram-se realizando. Porto Alegre, que tinha, quando cheguei aqui, há
exatamente cinqüenta anos - diziam que tinha -, seis arquitetos brasileiros
natos, hoje tem enxames. Nesse quadro aconteceu que Porto Alegre, apesar de
tudo, teve uma Faculdade de Arquitetura autônoma, definida, criada um ano ou
dois depois da Universidade Nacional, do Rio de Janeiro, que era emanada do
curso fundado por D. João VI, e daquela de São Paulo, ou seja, uma trajetória
extraordinária que mostrou como um sonho lúcido, um sonho que penetra na
realidade que vai existir, que percebe, que vê a coisa como se vê um ser humano
numa silhueta de mulher grávida, como se vê um milharal no meio de uma terra recém-plantada,
vê isso e luta e consegue.
Outra utopia realizada, na qual tive sorte, foi ligada à Casa, à
questão do Plano Diretor, do urbanismo em Porto Alegre. Também começou assim.
Lá pelas tantas, em 1943, um estudante de engenharia (que estava empregado na
Prefeitura como topógrafo), com outro jovem engenheiro, o estudante Luis
Ubatuba de Farias, e o topógrafo que se chamava Etevaldo Paiva, pensaram em
fazer um Plano Diretor em Porto Alegre - o que não havia em nenhuma cidade do
Brasil. Eles tinham planos de obras. O Prestes Maia, em São Paulo, tinha um
plano feito em São Paulo por um urbanista francês, que tinha caído no
esquecimento - este feito no interregno democrático que houve entre 1930 e o
Estado Novo, Governo de Pedro Ernesto. Com essa idéia, eles foram conquistando
o Prefeito nomeado pelo Estado Novo. O Prefeito, depois, que era um homem
progressista e de visão, Loureiro da Silva, acabou criando um plano que se
discutiu e foi aprovado no tempo do Brizola, em 1959. E foi indo, foi
reformulado, foi criado aquele desenvolvimento, um Plano de Desenvolvimento,
que hoje toda a Cidade sabe o que é, toda a Cidade discute. Foi um processo que
nasceu com impossibilidade.
Essa é a noção que se pode tirar disso aqui. Essa trajetória de
cinqüenta anos tem que ser pensada, homenageada. Fui uma pessoa que participou,
como todas as outras. Seria o fato de sonhar utopias que se realizaram. Uma
delas é esta aqui: uma corporação legislativa, composta de todas as tendências,
que aprova uma homenagem dissociando questões ideológicas daqueles merecimentos
que vêem na minha pessoa. Isso foi por muito tempo uma utopia. Uma reunião
dessas, uma reunião de Câmara, livre, foi utopia por muitos anos, quando
estávamos afastados do ensino. Muitos morreram no estrangeiro, porque se tinha
dificuldade, até, de imaginar o que está havendo agora: o consenso, o convívio
cordial, o convívio humano, quando só se concebia o que a dissensão ideológica
traduzia em delações, denúncias e acusações. Então, estamos em plena utopia
vitoriosa, e a história de cinqüenta anos em Porto Alegre também é isto: uma
história de utopias vitoriosas. E o futuro está por aí, e são as utopias que
ainda estão para vencer. Eu, enquanto puder, estarei com elas. Muito obrigado.
(Não revisto pelo orador.)
O SR. PRESIDENTE: Queremos registrar também a
presença do Ver. Geraldo de Matos Filho.
Senhores componentes da Mesa, Srs. Vereadores, nosso ilustre
homenageado, Ver. Clóvis Ilgenfritz: eu li o currículo, como não poderia deixar
de ser, do nosso homenageado, e hoje à tarde, aqui na Câmara, eu tive a
oportunidade de ouvir que o nosso Imperador D. Pedro II, em certo momento,
teria dito que, se não fosse imperador, queria ser professor. Eu confesso que
me senti bastante envaidecido, até porque sou professor, mas, sabendo o que
fez, o que faz e o que pode fazer por uma cidade o nosso homenageado, se o
nosso Imperador D. Pedro II tivesse o conhecimento desse tipo de ação, tenho
certeza de que ele gostaria de ser, se não fosse imperador, professor e também
arquiteto.
Registramos e agradecemos a presença de todos, em nome da Mesa Diretora
da Câmara Municipal, e mais uma vez cumprimentamos o Prof. Demétrio Ribeiro,
nosso Cidadão Emérito de Porto Alegre, e declaramos encerrada esta Sessão
Solene.
(Encerra-se a Sessão às 20h20min.)
* * * * *